As palafitas das pontes do Pina

Dentre os trabalhos recentes para a confecção de uma matéria especial sobre o rio Capibaribe, deparei-me com um ambiente que sempre está ali, no passar da paisagem do dia-a-dia, mas nunca tive a oportunidade de conhecer a sua realidade até então. Sobre as águas do rio, em meio as pontes do Pina, uma comunidade desponta reinando sobre os mariscos e a lama da poluição. Seus moradores são únicos, devotos das águas e dependentes da pescaria e da coleta dos alimentos que o rio e o mar dão. Para as lentes das câmeras os seus habitantes dão o seu sorriso, e para os nossos microfones eles nos dão suas palavras de sofrimento…

Pelas tábuas das palafitas crianças correm, sem se preocupar com os perigos da maré e das toxicidades que suas águas poluídas trazem. Brincavam e gargalhavam, e se maravilhavam com o clicar de uma câmera fotográfica que trazíamos conosco. A infância regojiza em seus cernes, mesmo que não merecessem estar ali. As mães e os pais riem das peraltices dos pequenos, mas quando questionados sobre os perigos do lar, suas testas se enrugam.

Imagina o seguinte… Não poder criar os seus pequenos no coração da sua casa, sem se preocupar com uma morte repentina ou por um perecimento por doença? Uma mãe veio até nós e falou do sofrimento de viver lá. Contou-nos do causo de uma criança que caiu na maré e morreu afogada… Contou-nos dos ratos que correm pelas vielas e do descaso que o poder público tem com o lugar. “Por que continuamos vivendo aqui, então?”, retoricamente ela nos perguntou, depois afirmando que não há lugar para ir, pois a vida deles é viver das águas, e qualquer lugar que não fosse próximo do mar ou do rio seria como matá-los de fome.

Os barcos de pescas povoam a paisagem, com os homens e mulheres fazendo seus trabalhos diários com as redes de pesca e os caixotes de mariscos. Um deles, conhecido como o Careca, relembra dos tempos em que a poluição não era tão densa, em que a lama negra que margeia o rio era ainda areia. “Ninguém passava fome não”, rememorava, sorrindo. Suas mãos dilaceradas pelo trabalho zuniu no meu olhar. A experiência de ter que descer o rio até a foz para pescar, ou de ficar em alto-mar por semanas, parecia-me um universo distante de mim, mas que estranhamente estava ali, na vizinhança, praticamente o meu vizinho.

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Jovens brincam nas águas do rio. Foto: Petrus Barbosa

Os jovens pulavam nas águas, despreocupados. Riam e sorriam, à mercê das consequências negativas de uma vida margeada. Eles eram da minha idade, ou mais jovens, e apesar das suas experiências, cumprimentava-nos como iguais… Porque somos iguais, em verdade.

E então olhei ao redor das casas sobre taipas e madeira… As centenas de carros passando diariamente sobre as pontes que delimitam o pequeno povoado… Sobre as telhas, em poucos metros, ali está o trajeto que passo todos os dias, e lembrei como tal lugar era quase invisível aos meus olhos até tão pouco tempo. Centenas de milhares de pessoas passam ali, e pouquíssimas baixam os olhos com preocupação para enxergar aquele pequeno espaço de humanidade vivente sobre as águas… A preocupação por tudo aquilo nos toma, por fim. Torna-se visível.